A realização deste documentário sobre o Tambor de Sopapo vem surpreendendo a quem está se envolvendo. Por um lado já imaginávamos - e nos propusemos a tal - que iríamos encontrar um sem número de histórias envolvendo a matriz negra da história do Rio Grande do Sul. Agora, para o que não estávamos preparados era encontrar e descobrir o que realmente estamos desvendando aos poucos. O Sopapo, instrumento lindo, mítico, carrega na sua genética não parte, mas a própria história do que aconteceu nesta região das Américas.
Pelotas hoje é uma cidade estagnada, com uma nuvem de energia latente que paira sobre as cabeças de quem vive ali, algo pulsante, vivo, obscuro. E o Sopapo vem tocando e registrando este caminhar há séculos, até parar e se esconder para retornar como parte do profano - do sagrado, do elemento espiritual que acompanhava os escravos, ao profano das festas de carnaval.
E Pelotas calou sua própria história.
Os negros não queriam contá-la, pois desejavam se esquecer e não perpetuar com lembranças período tão sombrio, por isso passaram apenas a bailar no toque do tambor, tão lindo, tão retumbante e ressoante, que se bate com as mãos tocando o couro do animal sacrificado para a consagração da carne.
Os brancos trataram de apagá-la pelos seus interesses de manutenção da ordem. Seu poder sobre os negros se mantinha, assim, intacto, mesmo sem a escravidão legalizada, sobre a nova ordem da escravidão social. Os brancos criaram seus heróis assassinos, um hino mentiroso e uma bandeira que se diz verde e amarela riscada pelo vermelho do sangue dos heróis farroupilhas, sem dizer que este sangue, este líquido sagrado derrubado a troco de nada nas terras gaúchas, é dos negros, dos escravos que encamparam a luta dos oligarcas das charqueadas pela sua própria liberdade, tendo sido traídos friamente pelas mãos daqueles que hoje dão nomes às ruas de todas as cidades do estado. Foram massacrados para que não voltassem à terra em onde trabalhavam para reinvindicar, enfim, seus direitos de homens livres.
Hoje, Pelotas purga e cala esta história.
Ouça mais uma música que será trilha do filme, na voz da cantora pelotense Giamarê, gravada em uma versão demo no estúdio da Casa Brasil Dunas (foto).
quarta-feira, 31 de março de 2010
Suíte Senzala
Lembrança dos crimes da ditadura militar: fazei isso em memória delas
por José Ribamar Bessa Freire
São mulheres de diferentes cidades do Brasil. Algumas amamentavam. Outras, grávidas, pariram na prisão ou, com a violência sofrida, abortaram. Não mereciam o inferno pelo qual passaram, ainda que fossem bandidas e pistoleiras. Não eram. Eram estudantes, professoras, jornalistas, médicas, assistentes sociais, bancárias, donas de casa. Quase todas militantes, inconformadas com a ditadura militar que em 1964 derrubou o presidente eleito. Foram presas, torturadas, violentadas. Muitas morreram ou desapareceram lutando para que hoje nós vivêssemos numa democracia.
As histórias de 45 dessas mulheres mortas ou desaparecidas estão contadas no livro “Luta, Substantivo Feminino”, lançado quinta-feira passada, na PUC de São Paulo, na presença de mais de 500 pessoas. O livro contém ainda o testemunho de 27 sobreviventes e muitas fotos. Se um poste ouvir os depoimentos dilacerantes delas, o poste vai chorar diante da covardia dos seus algozes. Dá vergonha viver num mundo que não foi capaz de impedir crimes hediondos contra mulheres indefesas, cometidos por agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte.
Rose Nogueira - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje. “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”.
Izabel Fávero - professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.
Hecilda Fontelles Veiga - estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará. “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’. (…) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”.
Yara Spadini - assistente social presa em 1971, em São Paulo. Hoje, vive na mesma cidade, onde é professora aposentada da PUC. “Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala de tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar”.
Inês Etienne Romeu - bancária, presa em São Paulo, em 1971. Hoje, vive em Belo Horizonte. “Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam- me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”.
Ignez Maria Raminger - estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde. “Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”.
Dilea Frate - estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora. “Dois homens entraram em casa e me sequestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”.
Cecília Coimbra - estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense: “Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não pode estar acontecendo: é um pesadelo… Eu não estou aqui…’, pensei. Vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados em suas casas, presos e torturados”.
Maria Amélia de Almeida Teles - professora de educação artística presa em 1972, em São Paulo. Hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo. “Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques”.
São muitos os depoimentos, que nos deixam envergonhados, indignados, estarrecidos, duvidando da natureza humana, especialmente porque sabemos que não foi uma aberração, um desvio de conduta de alguns indivíduos criminosos, mas uma política de Estado, que estimulou a tortura, a ponto de garantir a não punição a seus autores, com a concordância e a conivência de muita gente boa “em nome da conciliação nacional”.
No lançamento do livro na PUC, a enfermeira Áurea Moretti, torturada em 1969, pediu a palavra para dizer que a anistia foi inócua, porque ela cumpriu pena de mais de quatro anos de cadeia, mas seus torturadores nem sequer foram processados pelos crimes que cometeram: “Uma vez eu vi um deles na rua, estava de óculos escuros e olhava o mundo por cima. Eu estava com minha filha e tremi”.
Os fantasmas que ainda assombram nossa história recente precisam ser exorcizados, como uma garantia de que nunca mais possam ser ressuscitados - escreve a ministra Nilcea Freire, ex-reitora da UERJ, na apresentação do livro, que para ela significa o “reconhecimento do papel feminino fundamental nas lutas de resistência à ditadura”.
Este é o terceiro livro da série “Direito à Memória e à Verdade”, editado pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O primeiro tratou de 40 afrodescendentes que morreram na luta contra o regime militar. O segundo contou a “História dos meninos e meninas marcados pela ditadura”. Eles podem ser baixados no site da SEDH.
O golpe militar de 1964 que envelhece, mas não morre, completa 46 anos nos próximos dias. Essa é uma ocasião oportuna para lançar o livro em todas as capitais brasileiras. No Amazonas, as duas reitoras - Marilene Correa da UEA e Márcia Perales da UFAM - podiam muito bem organizar o evento em Manaus e convidar a sua colega Nilcea Freire para abri-lo. Afinal, preservar a memória é um dos deveres da universidade. As novas gerações precisam saber o que aconteceu.
A lembrança de crimes tão monstruosos contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade feminina, contra a vida, é dolorosa também para quem escreve e para quem lê. É como o sacrifício da missa para quem nele crê. A gente tem de lembrar diariamente para não ser condenado a repeti-lo: fazei isso em memória delas.
O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti.
terça-feira, 30 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Entidades agrofundamentalistas levam 25 vezes mais grana do Governo Federal do que o MST
Carter: exagerar o poder do MST é um preconceito de classe
Em dezembro de 2009, Miguel Carter concluiu o trabalho de organizar o livro "Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a Reforma Agrária no Brasil". É um lançamento da Editora UNESP, que reúne colaborações de especialistas sobre a questão agrária e o papel do MST pela luta pela Reforma Agrária no Brasil. Ele conversou com Paulo Henrique Amorim por telefone.
PHA – Professor Miguel, o senhor é professor de onde?
MC – Eu sou professor da American University, em Washington D.C.
PHA – Há quanto tempo o senhor estuda o problema agrário no Brasil e o MST?
MC - Quase duas décadas já. Comecei com as primeiras pesquisas no ano de 91.
PHA – Eu gostaria de tocar agora em alguns pontos específicos da sua introdução “Desigualdade Social Democracia no Brasil”. O senhor descreve, por exemplo, a manifestação de 2 de maio de 2005, em que, por 16 dias, 12 mil membros do MST cruzaram o cerrado para chegar a Brasília. O senhor diz que, provavelmente, esse é um dos maiores eventos de larga escala do tipo marcha na história contemporânea. Que comparações o senhor faria?
MC – Não achei outra marcha na história contemporânea mundial que fosse desse tamanho. A gente tem exemplo de outras mobilizações importantes, em outros momentos, mas não se comparam na duração e no numero de pessoas a essa marcha de 12 mil pessoas. Houve depois, como eu relatei no rodapé, uma mobilização ainda maior na Índia, também de camponeses sem terra. Mas a de 2005 era a maior marcha.
PHA – O senhor compara esse evento, que foi no dia 2 de maio de 2005, com outro do dia 4 de junho de 2005 – apenas 18 dias após a marcha do MST – com uma solenidade extremamente importante aqui em São Paulo que contou com Governador Geraldo Alckmin, sua esposa, Dona Lu Alckmin, e nada mais nada menos do que um possível candidato do PSDB a Presidência da República, José Serra, que naquela altura era prefeito de São Paulo. Também esteve presente Antônio Carlos Magalhães, então influente senador da Bahia. Trata-se da inauguração da Daslu. Por que o senhor resolver confrontar um assunto com o outro?
MC – Porque eu achei que começar o livro com simples estatísticas de desigualdades sociais seria um começo muito frio. Eu acho que um assunto como esse precisa de uma introdução que também suscite emoções de fato e (chame a atenção para) a complexidade do fenômeno da desigualdade no Brasil. A coincidência de essa marcha ter acontecido quase ao mesmo tempo em que se inaugurava a maior loja de artigos de luxo do planeta refletia uma imagem, um contraste muito forte dessa realidade gravíssima da desigualdade social no Brasil. E mostra nos detalhes como as coisas aconteciam, como os políticos se posicionavam de um lado e de outro, como é que a grande imprensa retratava os fenômenos de um lado e de outro.
PHA – O senhor sabe muito bem que a grande imprensa brasileira – que no nosso site nós chamamos esse pessoal de PIG (Partido da Imprensa Golpista) - a propósito da grande marcha do MST, a imprensa ficou muito preocupada como foi financiada a marcha. O senhor sabe que agora está em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que reúne o Senado e a Câmara, para discutir, entre outras coisas, a fonte de financiamento do MST. Como o senhor trata essa questão? De onde vem o dinheiro do MST?
MC - Tem um capítulo 9 de minha autoria feito em conjunto com o Horácio Marques de Carvalho que tem um segmento que trata de mostrar o amplo leque de apoio que o MST tem, inclusive e apoio financeiro.
PHA – O capítulo se chama “Luta na terra, o MST e os assentamentos” - é esse?
MC – Exatamente. Há uma parte onde eu considero sete recursos internos que o MST desenvolveu para fortalecer sua atuação, nesse processo de fazer a luta na terra, de fortalecer as suas comunidades, seus assentamentos. E aí tem alguns detalhes, alguns números interessantes. Porque eu apresento dados do volume de recursos que são repassados para entidades parceiras por parte do Governo Federal. Eu sublinho no rodapé dessa mesma página o fato de que as principais entidades ruralistas do Brasil têm recebido 25 vezes mais subsídios do Governo Federal (do que o MST). E o curioso de tudo isso é que só fiscalizado como pobre recebe recurso público. Mas, sobre os ricos, que recebem um volume de recursos 25 vezes maior que o dos pobres, (sobre isso) ninguém faz nenhuma pergunta, ninguém fiscaliza nada. Parece que ninguém tem interesse nisso. E aí o Governo Federal subsidia advogados, secretárias, férias, todo tipo de atividade dos ruralistas. Então chama a atenção que propriedade agrária no Brasil, ainda que modernizada e renovada, continua ter laços fortes com o poder e recebe grande fatia de recursos públicos. Isso são dados do próprio Ministério da Agricultura, mencionados também nesse capítulo. Ainda no Governo Lula, a agricultura empresarial recebeu sete vezes mais recursos públicos do que a agricultura familiar. Sendo que a agricultura familiar emprega 80% ou mais dos trabalhadores rurais.
PHA – Qual é a responsabilidade da agricultura familiar na produção de alimentos na economia brasileira?
MC – Na página 69 há muitos dados a esse respeito.
PHA - Aqui: a mandioca, 92% saem da agricultura familiar. Carne de frango e ovos, 88%. Banana, 85%. Feijão, 78%. Batata, 77%. Leite, 71%. E café, 70%. É o que diz o senhor na página 69 sobre o papel da agricultura familiar. Agora, o senhor falava de financiamentos públicos. Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu, que talvez seja candidata a vice-presidente de José Serra, a Confederação Nacional da Agricultura recebe do Governo Federal mais dinheiro do que o MST?
MC – Muito mais. Essas entidades ruralistas em conjunto, a CNA, a SRB, aquela entidade das grandes cooperativas, em conjunto elas recebem 25 vezes do valor que recebem as entidades parceiras do MST. Esses dados, pelo menos no período 1995 e 2005, fizeram parte do relatório da primeira CPI do MST. O relatório foi preparado pelo deputado João Alfredo, do Ceará.
PHA – O senhor acredita que o MST conseguirá realizar uma reforma agrária efetiva? A sua introdução mostra que a reforma agrária no Brasil é a mais atrasada de todos os países que fazem ou fizeram reforma agrária. Que o Brasil é o lanterninha da reforma agrária. Eu pergunto: por que o MST não consegue empreender um ritmo mais eficaz?
MC – Em primeiro lugar, a reforma agrária é feita pelo Estado. O que os movimentos sociais como o MST e os setenta e tantos outros que existem em todo o Brasil fazem é pressionar o Estado para que o Estado cumpra o determinado na Constituição. É a cláusula que favorece a reforma agrária. O MST não é responsável por fazer. É responsável por pressionar o Governo. Acontece que nesse país de tamanha desigualdade, a história da desigualdade está fundamentalmente ligada à questão agrária. Claro que, no século 20, o Brasil, se modernizou, virou muito mais complexo, surgiu todo um setor industrial, um setor financeiro, um comercial. E a (economia) agrária já não é mais aquela, com tanta presença no Brasil. Mas, ainda sim, ficou muito forte pelo fato de o desenvolvimento capitalista moderno no campo, nas últimas décadas, ligar a propriedade agrária ao setor financeiro do país. É o que prova, por exemplo, de um banqueiro (condenado há dez anos por subornar um agente federal – PHA) como o Dantas acabar tendo enormes fazendas no estado do Pará e em outras regiões do Brasil. Houve então uma imbricação muito forte entre a elite agrária e a elite financeira. E agora nessa última década ela se acentuou num terceiro ponto em termos de poder econômico que são os transacionais, o agronegócio. Cargill, a Syngenta… Antes, o que sustentava a elite agrária era uma forte aliança patrimonialista com o Estado. Agora, essa aliança se sustenta em com setor transacional e o setor financeiro.
PHA – Um dos sustos que o MST provoca na sociedade brasileira, sobretudo a partir da imprensa, que eu chamo de PIG, é que o MST pode ser uma organização revolucionária – revolucionária no sentido da Revolução Russa de 1917 ou da Revolução Cubana de 1959. Até empregam aqui no Brasil, como economista Xico Graziano, que hoje é secretário de José Serra, que num artigo que o senhor fala em “terrorismo agrário”. E ali Graziano compara o MST ao Primeiro Comando da Capital. O Primeiro Comando da Capital, o PCC, que, como se sabe ocupou por dois dias a cidade de São Paulo, numa rebelião histórica. Eu pergunto: o MST é uma instituição revolucionária?
MC – No sentido de fazer uma revolução russa, cubana, isso uma grande fantasia. E uma fantasia às vezes alardeada com maldade, porque eu duvido que uma pessoa como o Xico Graziano, que já andou bastante pelo campo no Brasil, não saiba melhor. Ele sabe melhor. Mas eu acho que (o papel do) MST é (promover) uma redistribuição da propriedade. E não só isso, (distribuição) de recursos públicos, que sempre privilegiou os setores mais ricos e poderosos do país. Há, às vezes, malícia mesmo de certos jornalistas, do Xico Graziano, Zander Navarro, dizendo que o MST está fazendo uma tomada do Palácio da Alvorada. Eles nunca pisaram em um acampamento antes. Então, tem muito intelectual que critica sem saber nada. O importante desse (“Combatendo a desigualdade social”) é que todos os autores têm longos anos de experiência (na questão agrária). A grande maioria tem 20, 30 anos de experiência e todos eles têm vivência em acampamento e assentamentos. Então conhecem a realidade por perto e na pele. O Zander Navarro, por exemplo, se alguma vez acompanhou de perto o MST, foi há mais de 15 anos. Tem que ter acompanhamento porque o MST é de fato um movimento.
PHA – Ou seja, na sua opinião há uma hipertrofia do que seja o MST ? Há um exagero exatamente para criar uma situação política?
MC – Exatamente. Eu acho que há interesse por detrás desse exagero. O exagero às vezes é inocente por gente que não sabe do assunto. Mas às vezes é malicioso e procura com isso criar um clima de opinião para reprimir, criminalizar o MST ou cortar qualquer verba que possa ir para o setor mais pobre da sociedade brasileira. Há muito preconceito de classe por trás (desse exagero).
sexta-feira, 26 de março de 2010
A cuíca de Mestre Batista roncando em faixa demo da trilha do filme sobre o Tambor de Sopapo
"Ventre Livre Odara" é como um mantra, no violão e voz, Marcelo Cougo, no Sopapo, Dilermando.
Vai estar na trilha do documentário.
Dá um play aí!
quinta-feira, 25 de março de 2010
Projeto sobre o Tambor de Sopapo: Mestre Batista participa da gravação da trilha original
Mestre Baptista passou algumas horas conosco no estúdio da Casa Brasil Dunas, em Pelotas. O Mestre tocou sua cuíca na trilha "Suíte Senzala", composta por Marcelo Cougo especialmente para o documentário que está sendo filmado pelo Coletivo Catarse. Mestre Baptista foi acompanhado do percussionista Dilermando, do ODARA, grupo de dança de pelotas que utiliza o sopapo nas suas apresentações artísticas. Outra participação importante foi da cantora Giamare (em breve postaremos aqui a demo da gravação).
na Casa Brasil, aguardando para entrar no estúdio.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Açúcar branco e Escravidão Negra
O açúcar (çarcara), refino da cana e da beterraba, delícia rara, utilizada em pequenas doses para aromatizar e medicar no Império Persa, foi apropriado pelos árabes e popularizado na Europa, vendido nas farmácias em doses “homeopáticas”.
Vens e vais de civilizações atrás desta riqueza, Portugal lidera o comércio e produção da cana-de-açúcar, com as primeiras mudas vindas da Ilha da Madeira. O solo nordestino tinha “ a terra gorda” – massapé. O clima, as águas, a fertilidade das terras, permitiam safras a cada três meses, enquanto nas Antilhas, 16 meses. Mais que cinco colheitas.
A fertilidade vinha da matéria orgânica da própria Mata. O equilíbrio na Mãe Natureza se mantém quando há variedade de espécies vegetais e de animais. A economia monocultora rompe esse equilíbrio quando escolhe uma planta que vale mais que as outras e ocupa quantidades imensas de terra. Latifúndio e Monocultura. Isso adoece o sistema natural.
A cana ocupou toda a zona litorânea, em Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Sergipe numa faixa de 200 km de largura. No engenho, a cana e a vida se transformam: açúcar para o mundo de lá, para os doces daqui, para a água ardente, aguardente...
Casa Grande e Senzala. Os filhos, os netos. O Senhor do Engenho, o dono de tudo e de todos, barão da terra, bancou a festa da Coroa Portuguesa, usando o chicote sobre o Negro escravo. O latifúndio monocultor e escravocrata incendiou o nordeste, queimou as matas para abrir espaços de plantio e expansão, perdeu as madeiras de lei, eliminou a flora regional e espécimes da fauna. Gerou a seca.
Entre 1560 e até 1850, traficou quase 20 milhões de pessoas de pele negra, excelentes agricultores; atrasou a civilização africana, que possuía agricultura diversificada em terras de posse comunal, trabalho coletivo, relações tribais, ligas artesanais, comércio regulamentado, metalurgia e Universidades.
A Igreja Católica cobrou 5% para afirmar – segundo seus preceitos, que essa criatura não tem alma e precisa ser convertida ao bom caminho. Foi a última instituição a apoiar a campanha abolicionista. A alma, religiosidade, ritos, o canto, a dança, aprisionados! A diferença. A dor, o trabalho de sol a sol.
A fuga dos engenhos e daquela vida de “porrada” é a maneira de recuperar a HUMANIDADE. O espaço livre, o espaço sagrado. Voltar a SER! O Quilombo dos Palmares, belíssima região, na Serra da Barriga (hoje União dos palmares, Alagoas) lutou 67 anos, recriou uma organização baseada na propriedade coletiva, comunal, a terra para produzir alimentos- milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca, cana-de-açúcar para rapadura e aguardente, faziam cestos e outros utensílios da palha das palmeiras, tinham metalurgia para a força guerreira e o trabalho agrícola.
Chegaram a gerar inveja e ódio pela quantidade de alimentos produzidos enquanto a crise do comércio açucareiro deixava os senhores de engenhos em fome. Nenhum produto influenciou tanto a história do mundo como o açúcar. Seu processamento em cristaizinhos brancos é resultante do múltiplo processamento químico do caldo de cana. Da cana é extraída toda a fibra. Perdem-se as vitaminas.
Nos últimos 100 anos o consumo de açúcar passou de 5kg/pessoa/ ano para 45kg/pessoa/ano. Hoje o açúcar está nas pastas de dentes, biscoitos salgados e doces, conservas, fermentação de pães, confeitaria, refrigerantes. Associados a festa e alegria. O organismo recebe altas doses de produto desconhecido de sua fisiologia, gerando diabetes, obesidade, doenças no coração, hipertensão. Agride o sistema imunológico. Uma endemia, quase epidemia! O organismo humano precisa de glicose, não de “açúcar”. E a glicose é obtida a partir dos grãos (cereais integrais: arroz, aveia, milho,centeio, cevada, trigo, todos os feijões (de todas as cores), nos legumes, verduras, frutas, sementes como de abóbora, de melão, linhaça. Algumas frutas e verduras podem ser produzidas na comunidade.
A saúde do povo voltará quando se utilizarem mais alimentos naturais e menos produtos coloridos, aromatizados, saborizados artificialmente. E, também usando plantas medicinais que ajudam a baixar a glicose no sangue. Importante, ainda, é melhorar as condições ligadas ao lixo, ao esgoto, às moradias...todos movimentos importantes.
Três séculos foram necessários à consciência européia: a primeira sociedade anti-escravista (inglesa) é de 1792. Em 2007, foi inaugurado o primeiro Museu da Escravidão, em Liverpool, um dos centros do mercado de negros.
E no Brasil? Ah, Brasil!
BRA... $$$$$$$$$$$$$$$$il...
Por Claudinha Lulkin, nutricionista ambientalista e educadora popular.
Esta matéria é parte de uma aula sobre Diabetes, apresentada na Cozinha Comunitária da Maria da Conceição, em agosto de 2007.
terça-feira, 23 de março de 2010
Lixo doméstico, produção da ignorância
É praticamente pop-art: quase nada significam de realidade os desenhos com ciclo de setas que nos acostumamos a enxergar nas trocentas embalagens que inundam nossos olhos, inventadas pelos fabricantes que nos enrolam atestando ser possível dar um fim para aquilo que produzem, sem convicção nenhuma de seu destino final. P-u-r-a-l-o-r-o-t-a. O que existe é a perpetuação da ópera do consumo, um sintoma civilizacional trágico, tangente ao raciocínio da natureza.
Gosto muito da citação:
"O fetiche se constitui pela sua inatingibilidade. Quanto mais distante se apresentam [as mercadorias], mais desejadas são. Os ditadores de ontem e de hoje servem-se ainda destas estratégias para se perpetuarem na arte de serem adorados. Uma vez bolinadas, conhecida sua materialidade, o encanto fenece. De forma inteligente os sistemas criam outros, e outros tantos para continuar a ópera", trecho de As mesmices globais, de Pedro Figueiredo, em suas histórias de pedras.
Pedro é um catador de primeira, porque acha um cabra bom, vai lá e investe, transforma, eleva. Pudera, é um divino educador. Estava conosco na elaboração da reportagem popular que realizamos para os catadores aqui do Estado e agora lançamos na rede. O trabalho atendeu a uma iniciativa da Rede de Economia Solidária - IDEIA, formada por 15 galpões de triagem do Rio Grande do Sul. Nos foi proposta a realização de uma reportagem cinematográfica que buscasse conscientizar a população sobre a importância de separar corretamente seus rejeitos domésticos, além de divulgar a situação dos trabalhadores que desenvolvem a fundamental função de triar os materiais que consumimos. O resultado desse encontro separamos, aí abaixo, em três janelas de vídeo.
Porém, vale destacar que decidimos não tratar nesse trabalho de um fato fundamental gerado pelo descaso com o que consumimos: o mercado do lixo é dominado pela lógica mafiosa da acumulação de capital por benefício da negligência geral. Para denunciar isso com força numa reportagem é preciso ter bala na agulha - que nós da imprensa marginal pouco temos. Informações não nos faltaram, foram amplamente levantadas. Mas prometemos conversar sobre isso com Michael Moore.
segunda-feira, 22 de março de 2010
O respirar das águas
Hoje é o dia mundial da água. A campanha do Greenpeace, na janela abaixo, lembra aos esquecidos que a água é organismo vivo, pulsante, como nós.
Globalitarismo da mídia
Em suma: repetição servil da interpretação dos fatos.
Essa a visão de Milton Santos, geógrafo e intelectual baiano, registrada pelo documentarista de maior audiência do Brasil, Silvio Tendler.
"Existem fatos. As notícias são interpretacões desses fatos. Como as grandes agências de notícias pertencem às grandes empresas, os acontecimentos são analisados de acordo com os interessas pré-determinados", narra o ator Milton Gonçalves, entre as falas do outro Milton. O diretor vai além da crítica e propõe o jornalismo das causas populares, apresentado como contraponto.
Arriba, na primeira janela de vídeo, o capítulo específico sobre mídia de Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá, documentário de Tendler, que lança no 23 de abril seu novo filme Utopia e Barbárie, um voo sobre os acontecimentos mundiais desde a queda do muro de Berlim, com o trailer aí abajo:
Carta Capital está nas bancas com uma boa matéria sobre Tendler [o texto também está disponível no site]. "Documentar é meu patrimônio, tenho de acreditar nele".
domingo, 21 de março de 2010
Ester Gutierrez fala da intenção de apagar a história dos escravos de Pelotas
O Coletivo Catarse está em Pelotas realizando as filmagens do Projeto Tambor de Sopapo: resgate histórico da cultura negra do extremo sul do Brasil, e neste sábado entrevistamos a professora do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pelotas, Ester Gutierrez, que pesquisou a história das charqueadas e publicou o livro Negros, charqueadas & olarias: um estudo sobre o espaço pelotense, fruto do seu mestrado em história. Ela nos contou que a destruição das senzalas e das estruturas de produção do charque, que deveriam ser patrimônio cultural preservado para contar uma parte obscura da história, foram sendo destruídas sem nenhum controle.
A tentativa de apagar uma parte da história
das charqueadas, segunda a professora,
é pelo fato de tratar-se de um tempo dramático de sofrimento para os escravos e para esconder
uma realidade ainda presente na cidade.
A entrevista ocorreu na charqueada São João, em frente ao que sobrou da antiga senzala doméstica, ao lado da casa grande do charqueador, um dos únicos resquícios materiais da história dos negros escravizados em Pelotas.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Iconoclasta, avante!
História, materialismo, monismo, positivismo e todos os "ismos" desse mundo são ferramentas velhas e enferrujadas que já não preciso ou com as quais eu não me preocupo mais. Meu princípio é a vida, meu Fim é a morte. Gostaria de viver minha vida intensamente para poder abraçar minha morte tragicamente.
Você está esperando pela revolução? A minha começou muito tempo atrás! Quando você estará preparado? (Meu Deus, que espera sem fim!) Não me importo em acompanhá-lo por um tempo. Mas quando você parar, eu prosseguirei em meu caminho insano e triunfal em direção à grande e sublime conquista do nada! Qualquer sociedade que você construir terá seus limites. E para além dos limites de qualquer sociedade os desregrados e heróicos vagabundos vagarão, com seus pensamentos selvagens e virgens - aqueles que não podem viver sem constantemente planejar novas e terríveis rebeliões!
Leia a continuação do texto de Renzo Novatore, escrito em janeiro de 1920, no blog Ponto de Vista.
Foto de divulgação do belo filme O Céu de Suely
quinta-feira, 18 de março de 2010
Salvemos o Cais Mauá da especulação imobiliária
Por Tania Jamardo Faillace (escritora, jornalista e delegada da RP1 de Porto Alegre)
Publicado originalmente em Minha Cidade.
A ideia de transformar o Cais Mauá, no Centro de Porto Alegre, em qualquer coisa que não um porto, foi-nos apresentada ainda no primeiro semestre de 2009, no Forum Regional de Planejamento 1.
São oito Foruns em Porto Alegre, que, em tese, constituiriam o controle social do planejamento na cidade, mas que, uma vez que não têm acesso aos orçamentos nem poder de veto, acabam na base do aconselhamento, e, quando seu representante no Conselho do Plano Diretor é realmente representativo, têm direito a um voto.
Esses oito votos, de fato, submergem dentro dos votos das entidades, quase todas elas ligadas ao setor econômico da construção e da corretagem, e/ou ao setor governamental, e que sempre votam juntas. Mas isso ao nível do Conselho do Plano Diretor, uma instância mais elevada.
Ao nível dos habitantes de Porto Alegre, as regionais agregam vários bairros e distritos. O de número 1 abrange dezenove bairros da área mais populosa da cidade, a partir do bairro Centro, onde se encontra o Cais Mauá.
Pois bem, lá pelas tantas nos apresentaram um projeto que não é projeto, pelo menos não projeto arquitetônico ou urbanístico, mas um projeto de engenharia financeira, para conseguir algum rendimento de um cais que, inexplicavelmente, foi desativado pelo governo do Estado.
O Cais Mauá é bem equipado e nunca se conflitou com a área urbana e o bairro Centro. Pelo contrário, já foi ponto de atração para os moradores, os turistas, as escolas, pelo atraque e visitação a navios mercantes de várias nacionalidades, navios-escolas, navios militares, navios de pesquisa oceanográfica etc.
A paixão pelo rodoviarismo, instituída com o advento das montadoras de carros que inundaram o País nos idos dos anos 1960, e continuam aqui – após suas matrizes terem quebrado financeiramente no resto do mundo, e elas viverem de esmolas governamentais – acentuou-se no Rio Grande do Sul com a instituição da indústria do pedágio nos idos dos anos 1990. Se uma carga paga preços exorbitantes para ser carregada e ainda é onerada com os pedágios ao longo de todo o seu trajeto, e muitos se sentem felizes com isso, por que racionalizar o transporte e reativar os portos, aliviando e protegendo as estradas do tráfego pesado e abusivo?
É isso o que está no fundo da proposta de transformar o Cais Mauá numa área comercial como qualquer outra, com um gigantesco estacionamento para 5 mil carros – congestionando ainda mais o fluxo de veículos no bairro Centro – ensejando mais alguns shoppings, supermercados e edifícios de escritórios, enquanto, no mesmo bairro, há cerca de uma centena de prédios comerciais desocupados, à espera de algumas reformas.
Para quem não conhece Porto Alegre, seu Centro é afunilado, isto é, converge para ele um número muito maior de veículos do que suas vias comportam, porque há um estímulo da Municipalidade ao estacionamento nas pistas de rolamento mediante aluguel temporário, os famosos e famigerados parquímetros, caça-níqueis oficiais, que ajudam a perpetuar a insanidade do transporte individual sobre rodas numa metrópole.
O projeto, apresentado pela presidência da Caixa RS, ligada ao Banrisul, segundo nos foi apresentado tanto na RP1, como na Câmara de Vereadores para a votação dos vereadores amigos do concreto, se baseia num sistema de arrendamento e sub-arrendamento.
O porto é de propriedade da União. Esta o arrendou para o Estado com contrato vigente até mais treze anos, o qual pode ser renovado ou rescindido conforme o interesse dos parceiros. Tratando-se de uma área ribeirinha a curso d’água navegável, não pode ser vendido nem doado nem penhorado.
Assim, a idéia poderia ser somente o arrendamento dos prédios que lá existem, sem mexer na estrutura física do porto, que já deveria ter sido tombado, pois faz parte do Centro Histórico de Porto Alegre e integra sua paisagem tradicional.
Mas alguém resolveu contemplar também o empresariado da construção além dos favorecidos supermercadistas. Concebeu alterar seu regime urbanístico, além das normas do Plano Diretor da Cidade, antecipando-se à homologação de sua revisão, realizada no segundo semestre de 2009, e propôs dois ou três espigões com 100 metros de altura (mais ou menos 30 andares), quando o limite em Porto Alegre é 52 metros.
Também haveria outros prédios um pouco menores (30 metros) acotovelando-se com a Usina e a Chaminé do Gasômetro, verdadeiro emblema paisagístico e turístico de Porto Alegre na Ponta do Gasômetro, que perderia sua singularidade e comprometeria a identidade visual da cidade e sua orla.
Os prédios de 100 metros, de frente para o famoso pôr de sol do Guaíba, certamente o tapariam para o resto da cidade que lhes ficasse atrás. Foram situados imaginariamente no local mais tumultuado da ponta do Centro: do outro lado do dique contra as cheias, a poucos metros da elevada da Rodovia Castelo Branco e da Estação Rodoviária de Porto Alegre.
Não sendo isso suficiente, também ficariam do outro lado da linha do Trensurb, trem metropolitano, absolutamente inexpugnáveis e inalcançáveis, juntamente com o estacionamento, a não ser pelo portão principal do cais, a uns dois quilômetros de distância, sem falar dos riscos de enchentes e subidas do rio, uma vez que estariam além do dique protetor.
Por essa excepcional oportunidade, o empreiteiro não teria a propriedade do terreno, mas apenas o arrendaria por sessenta anos, com perspectiva de mais sessenta de prorrogação, quando então os imóveis de cem metros, arquicentenários, voltariam ao poder público. Não sendo proprietário dos imóveis, o infeliz empreiteiro não poderia vender suas unidades, apenas também arrendá-las. E o ocupante dos prédios, sujeitos à trepidação do intenso tráfego local, com conseqüente taxa de ruídos e poluição sonora e aérea, tampouco poderia tornar-se um feliz proprietário, apenas um inquilino, a ser compulsoriamente despejado em 120 anos – o que, afinal, não seria uma desgraça completa.
Ora, nós, moradores de Porto Alegre, e militantes comunitários, temos idéias melhores e muito mais viáveis e até rentáveis economicamente, como a recuperação do transporte hidroviário para atracamento no Cais Mauá, que tem calado suficiente para grandes navios. Esse transporte poderia estender-se ao transporte de passageiros na bacia do Guaíba e Lagoa dos Patos, e mesmo entre os bairros ribeirinhos. O que não impediria que esse porto tivesse atrativos culturais e turísticos. Pelo contrário.
Falam de Puerto Madero, na Argentina. Está falido, todo o mundo sabe. E só poderia falir. Qual a graça de um porto sem navios e sem movimento portuário? As casinhas coloridas, que parecem pano de fundo para um bailado infantil? Esses grandes espetáculos artificiais, sem relação com a vida real das pessoas e suas cidades, acabam cansando, viram cenário sem função, puro teatro. Dubai também quebrou, não é mesmo?
Fotos: Tânia J. Faillace, década de 90.
quarta-feira, 17 de março de 2010
Uns desligam cérebro, outros querendo ligar ao máximo: dois jornalismos antagônicos
Um postagem que vale o registro aqui também!
- andrecatarse Minha profissão: há empregado de televisão global que desliga o cérebro para falar ao povo. Eu querendo ligar o cérebro do povo contra eles!
segunda-feira, 15 de março de 2010
A ESCOLA ITINERANTE EXISTE PORQUE HÁ POVO ITINERANTE
"O camponês não pode deixar seu trabalho para andar várias milhas para ver figuras geométricas incompreensíveis e aprender os cabos e os rios das penínsulas da África e se encher de termos didáticos vazios. E os fllhos dos camponeses não podem se afastar léguas inteiras, dias após dias, da estância paterna para ir aprender declinações latinas e divisões abreviadas. E prossegue, se referindo àquela época - a Escola Itinerante é a única que pode remediar a ignorância camponesa. E, nos campos como nas cidades, urge substituir o conhecimento indireto e estéril dos livros, pelo conhecimento direto e fecunda da natureza (Martí, 19950) [...]
[...] Comprova-se cada vez mais que as comunidades acampadas recusam uma escola autoritária, fechada em seus muros, distanciada da vida, centrada na sala de aula e perpetuadora das desigualdades presentes na sociedade capitalista. Convictos de que nenhuma escola é neutra, os camponeses e trabalhadores organizados têm tentado, de todas as formas, estudar e compreender esta "velha" escola, e a partir dela forjar uma "nova" escola. Por isso, rejeita-se a decisão autoritária do governo Yeda Crusius e Ministério Público gaúcho, para quem a escola deve atender aos interesses do sistema capitalista, estando os trabalhadores impedidos de recriar suas formas de vida e educação".
Trechos de "Escola Itinerante - na fronteira de uma nova escola", livro-tese de Isabela Caminil [na foto], apresentado ontem como lançamento da Expressão Popular [R$ 18]. A professora Marlene Ribeiro, sua orientadora, destaca o compromisso de Isabela com os movimentos populares. "Ela nos instiga a revisar e descobrir sobre o projeto social em que estamos engajados - se popular ou capitalista -, uma vez que não há neutralidade - toda a ação é orientada por uma determinada visão de mundo e concepção política [...] Leia o livro de Isabela e tome a sua decisão", escreve no texto de abertura.
Marlene também apresentou ontem seu livro "Movimento Camponês: Trabalho e Educação" [R$ 20], apanhado teórico dos seus 25 anos de pesquisa na área. "Todas as revoluções tiveram a participação decisiva do campesinato, que é um sujeito histórico em permanente ação".
Para comprar: clique aqui e aqui
Assista trecho de nossa reportagem É Possível [realizada antes do não reconhecimento dos escolas pelo governo estadual, com a extinção do Parecer nº 1.313/96, do Conselho Estadual de Educação]:
sábado, 13 de março de 2010
Agenda importante: MST, segunda, na UFRGS
O educador Giovani Vilmar Comerlatto irá defender sua tese de doutorado "A Dimensão Educativa da Mística na Construção do MST como Sujeito Coletivo", na Faculdade de Economia da UFRGS (Av. João Pessoa, 52 - Campus Centro). Dia 15.3, segunda, às 14h.
Após a defesa acontecerá um ato de apoio ao MST. Vários movimentos estão sendo convidados a participarem. "É uma oportunidade de apoio aos movimentos sociais que estão sendo perseguidos pela virulência do capital", diz Giovani.
Depois, às 17h, no auditório da mesma Faculdade de Economia, haverá o lançamento dos livros "Movimento Camponês: Trabalho e Educação", de Marlene Ribeiro, e "Escola Itinerante - na fronteira de uma nova escola",de Isabela Camini. Ambos pela Editora Expressão Popular.
O livro "Movimento Camponês: Trabalho e Educação", de Marlene Ribeiro, é fruto do trabalho de pós-doutorado da professora e aborda a importância da educação no movimento camponês e nos espaços urbanos. Já o livro de Isabela Camini, "Escola Itinerante - na fronteira de uma nova escola", trata da experiência de uma educação emancipadora promovida pelo MST em seus acampamentos: a escola itinerante. O livro é originado da tese de doutorado de Isabela.
O tema proposto por Isabela é bastante atual, já que as escolas itinerantes do MST foram alvo, no ano passado, de ação do Ministério Público do RS e do governo estadual, que tentaram encerrar com a experiência, justamente no Estado em que surgiram estas escolas. No entanto, o MST prossegue com as aulas em seus acampamentos.
quinta-feira, 11 de março de 2010
Pelo direito de ficar em casa
Centenas de moradores das vilas Gaúcha, Figueira, Padre Cacique, Ecológica e União Santa Tereza foram pra rua hoje pela manhã, manifestar contra o projeto do governo do estado que quer despejá-los de casa. Todas essas comunidades serão prejudicadas pela venda da área da FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo), na avenida Padre Cacique, em Porto Alegre.
Nádia, uma das lideranças, explica que a instituição fez, na década de 70, usucapião da área em que estão 2.000 famílias. Muitos foram pra lá ainda na década de 30. Seu pai, funcionário da antiga FEBEM, se fixou no local em 1958. Antigamente era comum que trabalhadores residissem nos terrenos anexos às instituições públicas. Agora, o governo de Yeda Crusius quer negociar a área com investidores imobiliários sem considerar as pessoas que vivem lá. Nenhuma menção a eles foi feita no projeto de venda enviado a Assembléia.
Neri, vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Gaúcha, diz que o real motivo do governo querer vender o terreno é a especulação imobiliária. A área é grande e fica em uma zona nobre e que receberá pesados investimentos para a Copa do Mundo de 2014, portanto bastante visada por empreiteiras e construtoras.
O projeto do governo nem sequer aborda a situação dos moradores e o que será feito caso o terreno seja vendido. Os manifestantes seriam recebidos hoje numa audiência às 9h na Assembléia Legislativa.
Às 8h da manhã, em frente à Prefeitura de Porto Alegre, os moradores batucavam e cantavam pela permanência em suas próprias casas.
Em alguns momentos, dançando sua indignação na calçada, lembravam as mobilizações na África do Sul do apartheid.
Esta moradora levou fotos do cotidiano das comunidades.
Esta mulher sabe que não pode depender apenas dos homens pra encontrar justiça.
Esta outra dizia para a popualção que não tivessem medo. Só queriam ser ouvidos e permanecer onde sempre estiveram.
quarta-feira, 10 de março de 2010
A internet como direito humano essencial
Texto de Carlos Castilho, publicado no Observatório da Imprensa ontem, 09/03/2010.
Quatro em cada cinco pessoas entrevistadas pela rede britânica de televisão BBC afirmaram que o livre acesso à internet e à Web deve ser considerado um direito fundamental dos cidadãos porque a informação tornou-se hoje um componente obrigatório da vida social.
A pesquisa foi feita em 31 países (incluindo o Brasil) onde foram entrevistadas 27.973 pessoas tanto por telefone como por questionário presencial. A coleta de dados aconteceu entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Os resultados foram divulgados no final de fevereiro e podem ser examinados num informe executivo publicado pela BBC.
A investigação indica que as pessoas estão valorizando cada vez mais a informação como um direito humano quase no mesmo pé da liberdade de expressão. É claro que este tipo de percepção é compartilhado majoritariamente por indivíduos que já tem atendidas necessidades elementares como cãs, comida e emprego.
O que impressiona é a alta incidência de pessoas que consideram o acesso à internet como essencial na sociedade contemporânea. Os índices mais altos foram registrados na Coréia do Sul (96% dos consultados) e México (94%). Nada menos que 91% dos brasileiros entrevistados também se colocaram do lado dos que defendem a universalização da internet gratuita.
A maioria esmagadora (96%) dos brasileiros ouvidos pela BBC, em nove cidades do país, está convencida de que a Web é essencial para o aprendizado. Mas ao mesmo tempo, os brasileiros mostraram uma considerável resistência a usar a rede para expressar opiniões (56% contra a média mundial de 49%) bem como uma clara tendência a não considerar a internet como parte obrigatória no quotidiano (71% contra 55% na média mundial).
As maiores preocupações dos internautas em todo o mundo são:
1) Fraude em transações eletrônicas (32% dos entrevistados);
2) Violência e sexo explícitos (27%);
3) Ameaças a privacidade (20%).
Em compensação, é muito baixo o índice das pessoas preocupadas com a censura governamental (6%) e com a interferência corporativa (3%). O Brasil está entre os países com menor preocupação com a censura (2% dos entrevistados), três vezes menos que nos Estados Unidos (6%) e na França (7%).
Como era de esperar a principal atividade desenvolvida pelos usuários da internet é a busca de informações (47% dos entrevistados), seguida pelo correio eletrônico/mensagens curtas/ chats ( com 32%) e entretenimento (12%). Os percentuais de comércio via Web e participação em redes sociais ainda são muito baixos , respectivamente 5 e 3%.
terça-feira, 9 de março de 2010
Rede de comunicadores em apoio à reforma agrária
Publicado hoje no site da Agência Carta Maior:
No dia 11 de março, próxima quinta-feira, será realizada, a partir das 19 horas, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (rua Rego Freitas 530) uma reunião para montagem da “rede de comunicadores em apoio à reforma agrária e contra a criminalização dos movimentos sociais". Manifesto de lançamento do grupo denuncia a ofensiva dos setores conservadores no Brasil contra a reforma agrária e qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda.
Manifesto de lançamento
Está em curso uma ofensiva conservadora no Brasil contra a reforma agrária, e contra qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda. E você não precisa concordar com tudo que o MST faz para compreender o que está em jogo.
Uma campanha orquestrada foi iniciada por setores da chamada “grande imprensa brasileira” – associados a interesses de latifundiários, grileiros - e parcelas do Poder Judiciário. E chegou rapidamente ao Congresso Nacional, onde uma CPMI foi aberta com o objetivo de constranger aqueles que lutam pela reforma agrária.
A imagem de um trator a derrubar laranjais no interior paulista, numa fazenda grilada, roubada da União, correu o país no fim do ano passado, numa ofensiva organizada. Agricultores miseráveis foram presos, humilhados. Seriam os responsáveis pelo "grave atentado". A polícia trabalhou rápido, produzindo um espetáculo que foi parar nas telas da TV e nas páginas dos jornais. O recado parece ser: quem defende reforma agrária é "bandido", é "marginal". Exemplo claro de “criminalização” dos movimentos sociais.
Quem comanda essa campanha tem dois objetivos: impedir que o governo federal estabeleça novos parâmetros para a reforma agrária (depois de três décadas, o governo planeja rever os “índices de produtividade” que ajudam a determinar quando uma fazenda pode ser desapropriada); e “provar” que os que derrubaram pés de laranja são responsáveis pela “violência no campo”.
Trata-se de grave distorção.
Comparando, seria como se, na África do Sul do Apartheid, um manifestante negro atirasse uma pedra contra a vitrine de uma loja onde só brancos podiam entrar. A mídia sul-africana iniciaria então uma campanha para provar que a fonte de toda a violência não era o regime racista, mas o pobre manifestante que atirou a pedra.
No Brasil, é nesse pé que estamos: a violência no campo não é resultado de injustiças históricas que fortaleceram o latifúndio, mas é causada por quem luta para reduzir essas injustiças. Não faz o menor sentido...
A violência no campo tem um nome: latifúndio. Mas isso você dificilmente vai ver na TV. A violência e a impunidade no campo podem ser traduzidas em números: mais de 1500 agricultores foram assassinados nos últimos 25 anos. Detalhe: levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que dois terços dos homicídios no campo nem chegam a ser investigados. Mandantes (normalmente grandes fazendeiros) e seus pistoleiros permanecem impunes.
Uma coisa é certa: a reforma agrária interessa ao Brasil. Interessa a todo o povo brasileiro, aos movimentos sociais do campo, aos trabalhadores rurais e ao MST. A reforma agrária interessa também aos que se envergonham com os acampamentos de lona na beira das estradas brasileiras: ali, vive gente expulsa da terra, sem um canto para plantar - nesse país imenso e rico, mas ainda dominado pelo latifúndio.
A reforma agrária interessa, ainda, a quem percebe que a violência urbana se explica – em parte – pelo deslocamento desorganizado de populações que são expulsas da terra e obrigadas a viver em condições medievais, nas periferias das grandes cidades.
Por isso, repetimos: independente de concordarmos ou não com determinadas ações daqueles que vivem anos e anos embaixo da lona preta na beira de estradas, estamos em um momento decisivo e precisamos defender a reforma agrária.
Se você é um democrata, talvez já tenha percebido que os ataques coordenados contra o MST fazem parte de uma ofensiva maior contra qualquer entidade ou cidadão que lutem por democracia e por um Brasil mais justo.
Se você pensa assim, compareça ao Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no próximo dia 11 de março, e venha refletir com a gente:
- Por que tanto ódio contra quem pede, simplesmente, que a terra seja dividida?
- Como reagir a essa campanha infame no Congresso e na mídia?
- Como travar a batalha da comunicação, para defender a reforma agrária no Brasil?
É o convite que fazemos a você.
Assinam:
- Altamiro Borges
- Antonio Biondi
- Antonio Martins
- Bia Barbosa
- Cristina Charão
- Dênis de Moraes
- Giuseppe Cocco
- Hamilton Octavio de Souza
- Igor Fuser
- Joaquim Palhares
- João Brant
- João Franzin
- Jonas Valente
- Jorge Pereira Filho
- José Arbex Jr.
- José Augusto Camargo
- Laurindo Lalo Leal Filho
- Luiz Carlos Azenha
- Marco Aurélio Weissheimer
- Renata Mielli
- Renato Rovai
- Rita Casaro
- Rodrigo Savazoni
- Rodrigo Vianna
- Sérgio Gomes
- Vânia Alves
- Verena Glass
- Vito Giannotti
Importante: A proposta é que a rede de comunicadores em apoio à reforma agrária tenha caráter nacional. Esse evento de São Paulo é apenas o início deste processo. Promova lançamentos também em seu estado, participe e convide outros comunicadores para aderirem à rede.
O COLETIVO CATARSE APÓIA A REFORMA AGRÁRIA E DENUNCIA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS.
segunda-feira, 8 de março de 2010
É preciso muito peito para derrubar o capital!
por Clarisse Castilhos
O 8 de março -dia Internacional das mulheres- é uma data muito cara ao movimento feminista. Infelizmente o seu verdadeiro significado vem sendo transfigurado pelo patriarcado capitalista num dia festivo de comemoração.
Para a ideologia dominante o 8 de março é o dia de vender mais eletrodomésticos, cosméticos e flores para as “rainhas do lar”. Nós não queremos ser “rainhas”! O que temos para comemorar? A que “mulher” estão se referindo quando falam no singular, como se existisse uma mulher-padrão que nos represente a todas. Mas não aceitamos esse modelo criado pelo imaginário patriarcal. Entre nós existem as lutadoras e as submissas e, nesse intervalo, há uma grande variedade de comportamentos e de aparências. Somos camponesas, operárias, estudantes, artistas, intelectuais e donas-de-casa. Somos negras, brancas, lésbicas, heterossexuais; mulheres com um histórico comum de opressões enquanto classe mulher e com alguns conflitos específicos a cada categoria.
Não queremos a igualdade do sistema, pois não aceitamos ser condenadas à infelicidade cotidiana proposta pelo patriarcado capitalista para mulheres e homens. Aliás, o fato de algumas terem acesso à universidade ou serem herdeiras de grandes negócios, de assumirem cargos de chefia, presidências de países, não significa que exista igualdade. Conquistamos, sofridamente, alguns direitos, mas tratam-se apenas de igualdades legais que não retratam nossos cotidianos. A violência física e psicológica está presente no dia - dia nos nossos corpos e mentes. Os assassinatos de mulheres crescem aceleradamente em todos os países e levam o nome de feminicidio.
Faz sentido esperar apoio da justiça? Sabemos que as instituições que administram esses direitos funcionam segundo a ordem patriarcal: a queixa na delegacia (mesmo a das mulheres) é recebida com desconfiança, desrespeito e piadas; os juízes forçam conciliações impossíveis; a sagrada família desencoraja porque isso pega mal e assim a coisa vai.
Nós, mulheres que conscientemente nos colocamos contra esse estado de coisas, que estivemos presentes nas atividades dos dias 3 e 4 de março de 2010, organizamos ações conjuntas entre campo e cidade. Atacamos diretamente o capital porque sabemos que ele, junto com o patriarcado, andam de braços dados, são as duas faces de uma mesma moeda que se chama opressão da humanidade.
Quando permanecemos dentro de casa limitadas apenas às tarefas do lar e aos cuidados das crianças, tendo sexo sem prazer, muitas vezes forçadas, obedecendo e dependendo dos companheiros ou companheiras, aceitando o papel designado pelos homens mesmo dentro do ativismo, nós estamos servindo à manutenção da ordem patriarcal e com isso contribuindo para que o capital cresça e engula nossos sonhos e desejos.
Não há libertação possível com a relação de classes que mantém o capital. Não há libertação possível com a divisão social do trabalho entre homens e mulheres. São duas relações que se entrecruzam para a manutenção do poder instituído e, lembremos, levam à destruição da humanidade e da natureza.
O capital só se mantém dominando nossas mentes e criando espaços para novos investimentos e mais lucros. E quais são esses espaços? O controle das reservas minerais, dos combustíveis e das águas puras de nossos lençóis freáticos; a exploração extensiva de terras pelo agronegócio com a monocultura predatória e utilização de transgênicos e finalmente, com o crescimento das guerras e da violência urbana.
O Brasil, por sua extensão de terras, é um dos prediletos do agronegócio. Não é por nada que em 2009 atingiu o segundo lugar mundial na produção de transgênicos, que o PAC está inteiramente voltado para criar infraestrutura de apoio aos investimentos internacionais em regiões de grande extensão de terra, que o governo federal liberou a compra de terras em área de fronteira (caso da Stora Enzo, em Rosário do Sul- alvo da atividade do 8 de março de 2008 das mulheres do MST), que o governo do RS liberou terras para a plantação de cana, e assim por diante. Não é de surpreender ninguém que a primeira decisão do governo Lula foi a liberação dos transgênicos.
O objetivo do novo agronegócio é o aumento desmedido da produtividade para a criação de grandes estoques de grãos e de outros produtos agrícolas e de extração vegetal. Que fique bem nítido: o que buscam não é ampliar a oferta de alimentos, mas de matéria-prima industrial; de grãos para a especulação pura e simples e de biocombustível para a indústria automotiva. O “alimento” produzido nessas condições é extremamente maléfico à saúde humana e animal, mas é comercializado em larga escala porque pode ser vendido a baixo preço. Afinal eles serão consumidos apenas pela população pobre. Os alimentos orgânicos continuam sendo produzidos mas, nas atuais condições de mercado, são mais caros o que não se constitui em problema pois destinam-se ao consumo dos países ricos e das classes altas. Esta divisão representa uma ideologia fascista e eugenista, pois o papel dos pobres do mundo é apenas executar trabalho alienado e mal pago, servindo ao topo da pirâmide social.
Para aumentar a oferta de produtos agrícolas transgênicos, as multinacionais ocupam terras com monocultura, invadem a pequena propriedade, acabando com a produção das hortas familiares diversificadas e orgânicas, transformando a pequena agricultura e os assentamentos em simples fornecedores dependentes das multinacionais. A população que antes tirava a sua alimentação diretamente de sua produção se transforma em empregadxs mal remunaradxs ou desempregadxs. Sxs filhxs vão para a cidade servir de pasto para a prostituição, marginalidade e violência urbana.
Por tudo isto, nos dias 03 e 04 de março de 2010, as mulheres do campo e da cidade, escolhemos como alvo simbólico a empresa SOLAE, fundada em 2003 a partir de aliança entre a Dupont (produtora de agrotóxico) e a Bunge (multinacional de sementes e de comida industrializada): um dos maiores complexos de processamento de soja transgênica da América Latina.
Lá, na frente da empresa, cantamos nossas canções de libertação e, simbolicamente, amamentamos pequenos esqueletos, construídos em conjunto, ao ritmo de nossas conversas e sonhos de liberdade. Essas nossas “crianças” representavam xs filhxs amamentadxs por mães alimentadas por transgênicos. Essas mães que contra sua vontade, ou sem o saber, estão criando uma geração de doentes e sem capacidade de pensar.
Mostramos nossos peitos sem silicone e, sem nos importar com padrões de beleza, afrontamos a moral opressora. Com esse gesto simples e transgressor buscamos conscientizar a população sobre o verdadeiro significado do agronegócio e sobre o poder patriarcal que nos coloca dentro de papéis bem delimitados: assexuadas e insatisfeitas mães de família ou prostitutas; empresárias ou trabalhadoras; todas feitas para servir ao mundo dos homens.
Esse nosso desvendar, retirou o véu da hipocrisia e procurou mostrar através de nossos corpos expostos, a trágica realidade que vivemos duplamente oprimidas pelas relações de trabalho e de sexo; pelos patrões e pelo cotidiano de submissão que vivemos dentro da estrutura familiar burguesa.
Nós, mulheres rebeldes, estamos juntas com as companheiras da Via Campesina e dos grupos urbanos que participaram dessa ação, e acreditamos que a luta contra o capital e contra o patriarcado é a mesma e o seu fim é a libertação humana.
Por isso afirmamos: é preciso ter muito peito para derrubar o capital!
Fotos: Jefferson - Coletivo Catarse
sexta-feira, 5 de março de 2010
Protesto na UFRGS acaba com agressão de estudantes pela polícia e seguranças
Reportagem da Catarse sobre a manifestação na reitoria da UFRGS para tentar impedir a reunião do conselho universitário da universidade que votaria hoje a criação do Parque Tecnológico.
quinta-feira, 4 de março de 2010
Estudantes da UFRGS denunciam reitoria por projeto de Parque Tecnológico
Na tarde de ontem, quarta (03.3), os estudantes da UFRGS receberam o apoio da Via Campesina e de movimentos de trabalhadores da cidade para a mobilização que fazem contra a votação imediata do projeto Parque Tecnológico da universidade. O projeto está sendo tocado à revelia da discussão e participação dos alunos, professores e funcionários da UFRGS. O assunto interessa a toda sociedade, afinal, é do dinheiro público gerado pelo povo brasileiro que a universidade se mantém. E é justamente esse o nó da questão. Tal parque, do jeito que está sendo pensado, deve servir menos ao público (mesmo que a universidade seja pública) e mais ao interesse de empresas privadas.
Assista à reportagem produzida pelo Coletivo Catarse: