quarta-feira, 9 de junho de 2010

Aprender a viver na cidade

A Cris Rodrigues, do blog Somos Andando, conversou com o geólogo Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da UFRGS e doutor na área de Ecologia da Paisagem.

Partindo do Morro Santa Tereza, as questões nos fazem pensar que precisamos aprender a viver na cidade, que é mais do que sobreviver. O caminho não é individual, não é o egoísmo. Qualquer saída para o caos é coletiva. Tem que haver respeito pela diversidade, pela biodiversidade. Mais, tem que haver empenho em preservá-la. Precisamos de espaços de respiro, onde ainda possamos alimentar nossa humanidade, seja aliviando os olhos com uma mancha verde ainda não concretada, um tempo pra um chimarrão na frente de casa com os vizinhos ou se encantar com o sabiá distraído no galho de uma pitangueira. Se não nos interessa mais essa sintonia, se não conseguimos compreender que existem interesses vitais e anteriores aos do mercado imobiliário, bem, aí já nos quebramos.


A entrevista completa está publicada no Sul21. Recortamos uns trechos pra você ler aqui também, porque a prosa está muito boa. Mas se quiser entender tudo dentro do contexto, precisa ir lá.


Pode-se discutir a relação do Morro Santa Tereza com a cidade pontualmente, ou a discussão é mais ampla e aprofundada?

...Para a megacidade de Porto Alegre não faz falta nenhum edifício que a torne mais atrativa, mais bonita, mais interessante, ela não precisa de novas construções arquitetônicas para conseguir atrair investimentos. Nós já somos 4,5 milhões de habitantes (Região Metropolitana) numa enorme plataforma de concreto que não precisa mais de edificações. Cada metro quadrado de área verde, isso sim, ela precisa. Seus estoques ambientais estão no limiar, reduzidíssimos, porque os processos da megacidade são muito rápidos.

De que forma esse pedacinho de Porto Alegre, o Santa Tereza, se insere nesse contexto da megacidade? Qual a importância dele nesse contexto?

Assim como a megacidade tem seus ícones arquitetônicos, urbanísticos... da mesma maneira nós precisamos dos nossos ícones ambientais. Não é que não pode existir cidade, não é mais essa a nossa visão. O que nós não podemos mais admitir é uma cidade como se ela fosse uma cápsula fechada, que exclui, que varre de si a natureza, mas como um ambiente capaz de interagir com a natureza. E esse ambiente é ao mesmo tempo ambiental e cultural.

Qual é a importância ambiental de manter essas manchas?

Entendendo esse sítio como parte de uma megacidade, ou seja, que sofre uma pressão imensa. Então nós temos que ter uma estratégia ambiental e cultural, senão ela soçobra. Se for só ambiental, vão ficar meia dúzia de ecologistas se desesperando para defender o impossível. Temos que entender a margem do Guaíba como um corredor ecológico, ambiental e também cultural, porque o Guaíba pode ser um local de fruição, de prazer. E com isso nós culturalmente sinalizamos que a água do Guaíba é importante. Essa é a primeira conectividade.

A segunda é a dos morros. Essas manchas dos morros podem se comunicar entre si e com o corredor da margem. O Morro Santa Teresa tem importância ecológica e ambiental em termos de sustentação das outras manchas. Hoje a cidade vê como ameaça a defesa dos nossos estoques ambientais. Mas nós é que estamos ameaçados por essa cidade, as pessoas sentem que ela está violenta, parada, desleixada, caótica, e as pessoas tendem a se perguntar por quê.

O Jornal do Comércio fez um levantamento que em quatro meses foram aprovados 1.289 projetos imobiliários em Porto Alegre, com 1,5 milhão de metros quadrados de área construída. Que consequências isso traz?

Desastrosas. A cultura humana está empobrecendo, como se nós estivéssemos lobotomizando aquilo que define a essência do ser humano, que não é andar sobre duas pernas, não é só ter um cérebro grande. O que é essencial é a capacidade desse indivíduo bípede, com seu cérebro, de interpretar a paisagem e transformar essa interpretação em cultura, em instrumentos que lhe possibilitam sobreviver. Se eu estou transformando a paisagem num imenso monólogo, numa mesma linguagem que nada informa, bom, eu estou conduzindo esse cérebro ao seu embotamento.

E de quem é a responsabilidade por a gente ter chegado a esse ponto?

Essa responsabilidade é muito grande, então nós vamos dizer que ela é uma responsabilidade civilizatória. O problema não é dessa cidade nem daquela, não é desse país nem daquele. O elemento operador dessa cegueira, como diria o Saramago, é a ideologia urbana. Se você perguntar para o cidadão o que ele quer da cidade, ele quer que seja veloz, limpa, não quer pensar de onde vêm os materiais que ele consome e para onde vão depois de serem consumidos. Ele quer que a cidade tenha todas as ofertas disponíveis no planeta.

A cidade tem em essência duas importantes ideologias: a da voracidade e a da velocidade. E essa voracidade é tão estúpida que, dada a enormidade de rejeitos que a cidade produz e que poderiam ainda ser usados, nós poderíamos ter qualidade de vida para imensos contingentes populacionais. A cidade tem que pelo menos deixar de ser egoísta com seus rejeitos. Ela precisa ser transformada na sua ideologia profunda, para que queira menos e assimile mais.

E a outra ideologia urbana, que é terrível, é a velocidade, responsável por nós não olharmos mais o jardim do nosso edifício, a rua. Antigamente era muito comum as pessoas de um edifício, de uma casa, sentarem-se na frente, na calçada, pra tomar um chimarrão. E hoje, você vê ainda? Essas coisas tão importantes da vida comunitária a cidade perdeu. Esse é o grande perigo. Essa é uma tendência que não é local, é mundial.Sim, é da civilização.

Mas falando de Porto Alegre, parece que agora finalmente vai ser aprovada a revisão do Plano Diretor. Para que direção essa revisão está levando Porto Alegre?

O Plano Diretor atende à normatização imobiliária e à cobrança de impostos que deriva disso, o quanto o caixa do município vai encher. Não se discute a gestão integrada da cidade. Ela cresce, se complexifica, se torna veloz, se torna voraz etc., e a nossa cultura não é capaz de acompanhar esses desafios com instrumentos adequados. E por quê? De novo a questão cultural. Esses instrumentos atendem a um certo perfil de interesses, de empreiteiros, de donos de imóveis, de fornecedores.

Como reverter...?

Não há solução tecnológica, primeira questão. A ciência não sabe o que fazer, não é uma caixa de magia, que toca com uma varinha mágica e tudo se resolve. Seria como pedir para ciência parar um vulcão. Não podemos fazer isso, é da dinâmica da Terra. É melhor saber prever e como preservar a vida diante de uma extrusão vulcânica. É preferível uma cultura que aceite o vulcão.

Mas o que nós podemos fazer, então? Nós podemos é mudar a cultura. E nós não temos outra maneira de mudar a cultura urbana se não fazendo com que as pessoas participem, se dêem conta.

Foto de Eduardo Seidl, do Sul21.

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