segunda-feira, 4 de abril de 2011

Para não esquecer de lembrar

Parece um boneco, mas é um corpo arrastado pela corda. Uma língua de fogo o lambe. Quatro fuzis saúdam a sua morte. Ouço o barulho de suas costas contra as pedras.

Nove mulheres, nove bocas anunciam. Gritam com a garganta e o coração a saudade e a revolta. Há anos se gastam as cadeiras em suas mãos, à espera dos desaparecidos. Cada um que não voltou no corpo volta na lembrança. Os nomes voam pelo ar, grudam secos na pele dos ouvidos.


A atuadora me estende os braços e, quando me olha, já é outra mulher, desesperada não pode amanhecer da noite que nunca acabou: “Onde ele está?”. E perguntando aperta os dedos dela contra os meus, coloca seus ausentes em minha mão: Elson Costa. Paulo Mendes Rodrigues. Rubens Beirodt Paiva. David Capistrano da Costa. Vandick Reidner Pereira Coqueiro. João Leonardo da Silva Rocha.

Me dobro sobre a cadeira vazia (sempre vazia), abandonada no pátio, onde poderiam estar sentados outros que não se despediram: Suely Yumiko Kamayana. Onofre Pinto. Paulo César Botelho Massa.

Os nomes voam pelo corredor da universidade, as vozes distanciam, junto com as mulheres, vão ao longe se apagando.

Ainda os procuro pelo chão (como o chão dos que foram pisados pelos torturadores), sobre o qual os presentes caminham agora com essa dor da performance “ONDE? Ação nº2”, da tribo Ói Nóis Aqui Traveiz. E os encontro: José Maria Ferreira Araújo. Walter de Souza Ribeiro. Antonio dos Três Reis Oliveira. Jaime Petit da Silva. Caiupy Alves de Castro. Antônio de Pádua Costa. Guilherme Gomes Lund. José Lima Piauhy Dourado. Áurea Eliza Pereira Valadão. Daniel Ribeiro Callado. Pedro Carretel. Nestor Veras. Paulo Costa Ribeiro Bastos.

Morreram muitos outros.


Então os militantes de hoje, disfarçados de atuadores abrem a faixa:

GOLPE DE 64

PARA NÃO ESQUECER DE LEMBRAR

DITADURA NUNCA MAIS



Ontem fez 47 anos do golpe. Agora, o debate na universidade pode começar.


Sobre a performance “ONDE? Ação nº 2", da Tribo de atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, que aconteceu no dia 1º de abril, em frente ao Salão de Atos da Reitoria da UFRGS, dentro da programação do Seminário Memória, Verdade e Justiça: As Marcas das Ditaduras no Cone Sul.

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