sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Entrevista com Santiago

Neltair Rebés Abreu, conhecido como Santiago, é um cartunista de dar orgulho para qualquer gaúcho. É um dos melhores do mundo. Só isso já serve para explicarmos o porquê dele ser o nosso primeiro entrevistado. Mas, além disso, o Santiago é uma figuraça, um cara simples como o traço dele e sempre bem humorado. E a imprensa do Rio Grande do Sul, com exceção do Jornal do Comércio que contratou o cara, é de uma mediocridade e de uma ignorância atroz por boicotarem ele e os demais cartunistas talentosos que o nosso estado tem. Mas o seu Neltair é muito maior que qualquer jornalzinho metido a besta. E o Bodoqe oferece sempre as páginas para o seu talento, o que para nós é uma honra.
Participaram da entrevista a Fabiana, o Rafael, o André e o Pedro Metz. Ela foi realizada há algum tempo e aqui transcrevemos alguns dos melhores trechos. Bom proveito!


O INÍCIO
Eu desenhava desde menino. Quando vim para Porto Alegre, eu estava entre fazer o curso de jornalismo e o de arquitetura. Nesse tempo, comecei a fazer jornais estudantis e senti que havia um certo mercado para o humor, mas eu achava que não sabia fazer humor, só histórias em quadrinhos, com situações realistas. Depois descobri que eu tinha aquilo que chamam de verve, aquela coisa de tu criar situações engraçadas, pessoas que têm senso de humor. Aí não parei mais. Nesse tempo, comecei a publicar num espaço chamado Quadrão, uma página que o jornal Folha da Manhã, na década de 70, mantinha para iniciantes. Aquilo me deu um estímulo. Depois de um tempo fui contratado pela Folha da Tarde para fazer algumas ilustrações. E comecei a ganhar alguma coisa por aí. Botei a cara nisso e tornei minha profissão. Desisti do curso de arquitetura.

TINTIN
Eu sempre lia humor, gostava. Minhas influências na infância é Disney. Na adolescência eu comecei a ler Tintin, depois, aqueles humoristas da Revista Cruzeiro. Já na minha juventude apareceu o Pasquim, eu já conhecia o trabalho do Ziraldo, do Jaguar e tal. O meu desenho acho que é filhote do Hergê, do Tintin. Quando eu comecei a exercitar o humor, a minha linha era a clara, como se diz, o traço limpo, que é a escola dos belgas, do Tintin. Eu tive uma fase incrível que eu copiava o Ziraldo. Eu tinha cerca de 20 anos nessa época. Depois, consegui me livrar do Ziraldo, tanto que eu parti para um desenho bem diferente do dele.

PASQUIM
Quando eu iniciei na Folha da Tarde, comecei a me sentir mais seguro e arrisquei mandar algumas coisas para o Pasquim. O pessoal gostou e publicou. Fiquei entusiasmado e comecei a mandar com freqüência. Tive uma participação boa no Pasquim, lá por 77, 78 até a data de fechar. Fui colaborador habitual. Tinha desenhos que quando a Folha da Tarde não queria publicar, eu mandava para o Pasquim e saía e era um sucesso. Quando um desenho era negado pela chefia de um grande jornal naquela época, queria dizer que era um desenho bom, contundente, era crítico.

COOJORNAL
Eu era só ilustrador e às vezes fazia uma charge para o jornal. Eu ilustrava uma crônica do Luís Fernando Veríssimo. Quando surgiu a cooperativa eu me associei. O Coojornal foi uma reação imediata ao fechamento da Folha da Manhã, que foi um jornal muito livre, que marcou época por ser combativo. E com um padrão de jornalismo que nunca mais voltou a ter aqui no sul. E como era um jornal nessa linha, ele foi pressionado até que em 1975 todo mundo pediu demissão. E esse pessoal, que era uma nata do jornalismo jovem, com muita garra, com vontade de desafiar a ditadura ficou inconformado. Como já havia um embrião de uma cooperativa, esse pessoal se reforçou em torno dela.

REVISTA BUNDAS
Acho que o Ziraldo centralizou muito na pessoa dele, que é um senhor com mais de 70 anos. Ficou uma visão de pessoas mais velhas. Acho que ela tinha que ter um caráter mais renovado, eu não sei bem o que é... Algumas sessões feitas por cabeças mais jovens. Além disso, acho que ela foi atropelada também pela questão econômica. Tenho certeza que foi um boicote econômico das agências de propaganda. Os publicitários sempre gostam de se auto-elogiar, se dizem ousados... Aí quando surge uma revista Bundas, eles não botam anúncio porque dizem que é imoral, que é um palavrão... Onde está a ousadia desses caras então? Usaram a desculpa de que Bundas era um nome muito forte e o anunciante não queria se vincular a isso. Mas como é que os caras fazem anúncios com bebidas que tem muito mais que bundas, mais que sexo? A própria publicidade, às vezes, cai num mal gosto, com apelo sexual e tudo mais.

ESTADÃO
A experiência com o Estadão foi a mais terrível que eu já tive na minha vida. Fiquei nove meses mandando desenho daqui de Porto Alegre. Tinha que fazer três, quatro desenhos, pois os caras viam fantasmas em tudo que é coisa. Era cada análise mais maluca... Desenho que tinha um carinha de pé torto não podia porque a “sociedade dos pés tortos” iria reclamar... Então como fazer humor? O humor é extremamente livre, solto e irreverente. Humor é subversão, ele subverte as coisas. Fazer uma coisa comportadinha é o caminho para não ter graça nenhuma.

BOICOTE
Todo o Brasil elogia a qualidade dos cartunistas daqui. Tem o Moa, o Bier, o Edgar Vasques, o Juska, que são excelentes desenhistas. Como é que esses caras não estão nos jornais? Ninguém contrata esse pessoal. Por que? É por ignorância? Eles não sabem que tem essa mão-de-obra, que é barata e boa? Ou é muita ignorância ou é uma marcação em cima. Eu quero crer que os caras têm medo do humor por ele ser bem popular. Eles não conseguiram inventar ainda uma figura que tem de sobra na área do texto que são os “colunistas amestrados”. Não conseguiram inventar ainda o “cartunista amestrado”. Se bem que tem um que é até amestrado demais. Um amestrado que chega ser guardião dos interesses do patrão dele.

SÁBIAS PALAVRAS
Eu não posso pensar que nem o patrão. O negócio dele é outro. Ficam falando que o anunciante vai tirar o anúncio, mas ele precisa do veículo. Não tem que ficar cortejando o anunciante.

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